Mariz em mais 8M em Brasília: a saga
Como falar sobre mulheres quando ninguém mais quer falar...
Olá, mulheres,
Como estão? Neste ano, o 8 de março em Brasília foi marcado por uma série de disparates contra a memória coletiva de luta das mulheres (segundo ano seguido, né?). Desde o apagamento da história dessa data tão importante, passando por uma completa negligência em relação à organização do 8 de março, priorização de pautas totalmente aleatórias ao interesses da classe feminina e uma “micaretização” de uma data que deveria ser política.
Falamos sobre isso no ano passado, aqui. Nessa oportunidade deixamos claro que escolheríamos nosso próprio mote.
E foi o que fizemos. Apesar desse contexto nem tão surpreendente, a Coletiva MARIZ se organizou para participar do ato. Cientes da importância e da urgência da descriminalização e legalização do aborto, nós decidimos levantar esse tema, aliado à crítica fundamental sobre o regime heterossexual, por meio de um folder que distribuímos assim que chegamos à concentração na Praça Zumbi dos Palmares, na área central da capital.
Chegamos a pensar que seríamos as únicas ali a falar sobre aborto, mas outras mulheres presentes também lembraram que esse é um assunto central para a emancipação feminina. Porém, qual foi o discurso e as propostas de ação sobre a legalização e descriminalização do aborto vindos de outros grupos feministas não radicais?
Bom, primeiramente, vamos começar pelo mote definido pelo 8M Unificadas (grupo que junta pessoas da sociedade civil, partidos políticos e coletivos feministas de várias vertentes com o intuito de organizar o ato todos os anos):
“Nossos corpos, nossos lares: Pela paz, contra o genocídio do povo palestino! Pela vida de todas as mulheres! Não ao feminicídio e ao transfeminicídio! Contra a privatização da vida, o racismo, o machismo, a LBTfobia e todas as formas de violência! Pelo bem viver e o aborto legal e seguro! Democracia, sem anistia aos golpistas!”
Sim, galera, o tema foi esse mesmo. Acreditem.
Como percebem, o tema do aborto aparece em um espaço tão curto que quase passa despercebido. O teor do mote inteiro é de um humanismo descompromissado, expressando a completa falta de foco e um descaso tremendo em relação à História das Mulheres.
A MARIZ optou por não participar dos encontros presenciais de organização do 8M liderados pelo 8M Unificadas como o fez no ano passado. Estávamos presentes no grupo de whatsapp apenas para saber maiores informações, não demos um pio ali e deixamos rolar, até porque com a participação ativa de homens, julgamos ser perigoso expor alguma membra por ter alguma fala “radical demais”, como por exemplo questionar o básico: “Podemos falar exclusivamente sobre mulheres no 8M?”. Então permanecemos caladas apenas observando as movimentações do grupo…
Ano passado optamos por participar e o repúdio foi bem grande à nossa simples indagação: é egoísmo querer falar só de mulheres no 8M?
Pudemos perceber que, de um ano para cá, pouca coisa mudou. Além do mote desconcertante, tivemos direito a mulheres com bambolês se apresentando e uma multidão de outras chegando purpurinadas e fantasiadas, dava até para se perguntar se não estávamos num bloquinho de carnaval… Vejam, as fotos não nos deixam mentir:
E aí, mulheres? Bloquinho de carnaval ou manifestação do 8M?! O fato de o DF estar entre os estados que lideram os números de feminicídio no país mostra que temos muito a festejar mesmo (SQN). Mas enfim, não podemos nem reclamar muito pois escolhemos não participar da organização do evento e também porque a programação deste ano foi clara:
O que esperar de um “ato político-cultural”?! Não podemos esquecer que um ato político também foi organizado pelo 8M Unificadas e ocorreu no mesmo dia, porém, às 12h, em frente ao Palácio do Buriti. Claro, faz todo sentido convocar uma mobilização política às 12h de uma sexta-feira… vocês podem imaginar a adesão com a qual esse ato contou. Não que um ato “político-cultural” começando às 16h melhore muita coisa...
Para piorar, este ano, a manifestação não era em formato de marcha, ou seja, ficamos paradas em frente ao Conic o tempo inteiro, o que com certeza prejudicou a participação de mais mulheres e todo o sentido do protesto em si.
Não aguentamos ficar lá por muito tempo. Enquanto panfletamos nosso folder, algumas se recusaram quando viram quem estava distribuindo, pois além de tudo, nós ostentamos nossa labrys (o que causou alguns olhares de repúdio). Mas, quando percebemos que só a gente queria fazer política ali, nos deslocamos daquele local e fomos em direção à rodoviária, ao encontro de mulheres que, em sua maioria, estavam saindo do trabalho, da escola ou da faculdade. Essa nossa ação fez absolutamente tudo valer a pena e fazer sentido de novo. Percebemos que, naquele ambiente da rodoviária, muitas mulheres se mostraram receptivas aos nossos materiais e algumas até ficaram contentes em recebê-lo.
Infelizmente, nós percebemos que é muito difícil trabalhar junto com essas coletivas organizando um evento como o 8M do DF, já que a grande maioria parece ter uma visão muito diferente do que esta data deveria ser. Claro que a cultura é importante e celebrar a arte produzida por mulheres é muito relevante, porém as organizadoras do evento parecem achar que o 8 de março é apenas sobre celebração.
Nós moramos na capital do país, estamos literalmente perto do Congresso, do STF, de tantos lugares importantes para a política e que poderiam ser palco de uma manifestação impactante, na qual nós mostraríamos quais são as principais reivindicações do movimento feminista – legalização do aborto, revogação da LAP, fim da cultura do estupro etc… Mas o grupo de mulheres que organizou o 8M não parece ter nem mesmo noção de quais são nossas pautas mais urgentes, vide o mote gigantesco que não tem nem pé nem cabeça.
Veja bem, o problema não está nas pautas em si, são quase todas válidas e importantes. Mas não é possível que a gente tenha que falar de todos os temas importantes do mundo no 8M. Não será possível que nem no “nosso dia” a gente pode pensar na gente?
Seria o 8M igual coração de mãe e sempre cabe mais um?
O que fazer com as nossas pautas reais, se nem no 8M elas podem ser centralizadas?
Quem lutará nossas pautas se no 8M nós estamos aqui abraçando todas as pautas do mundo?
Esperamos que para 2025 nós consigamos reunir mais mulheres para organizar uma manifestação de verdade e que aborde temáticas verdadeiramente relevantes para a emancipação feminina.
Quem faz nossas pautas somos nós. E se a gente continuar querendo abraçar o mundo, ninguém o fará por nós.
Sigamos, mulheres!
8 de macho x 8 de março!