Feminismo não-modificado #12 – Lésbicas e o Ministério da Saúde
Enquanto o CNS se preocupa em respeitar identidades especiais e em acolher homens que se dizem mulheres, a saúde das lésbicas segue à míngua
Querida leitora,
Como você está? Na edição passada, falamos sobre nossa dificuldade enquanto Coletiva de participar de forma politicamente crítica da “marcha lésbica” realizada pela Ação Lésbica Feminista em Brasília. Apesar de ficarmos positivamente surpresas com a presença da bandeira Labrys no ato, a lembrança do apagamento das mulheres era constante cada vez que chamavam lésbicas usando “todes”, por exemplo, ou quando usavam a bandeira transativista para ofuscar a nossa. O clima era de festa, mas será que lésbicas têm mesmo motivos para deixar as manifestações políticas de lado e apenas celebrar?
Pensando nisso, nós da MARIZ resolvemos trazer algumas das diretrizes e propostas de políticas públicas envolvendo a saúde de lésbicas que constam no relatório elaborado a partir da 17ª Conferência Nacional de Saúde, em agosto deste ano.
Ao todo, a palavra “lésbica” foi citada oito vezes no documento inteiro. Em contrapartida, o termo “LGBT” (e suas variações) foi citado setenta e nove vezes! Talvez você esteja pensando “que bom, ao menos existem algumas políticas públicas exclusivas para lésbicas”. Aí que você se engana. Não há absolutamente nenhuma menção a lésbicas que não inclua também homens e todo o arco-íris junto.
Mas afinal, quais foram essas propostas?
D-CN-E1- 000644 Atualização da Política Nacional de Saúde Integral LGBT para LGBTIA+ e definição das linhas de cuidado, em todo o ciclo de vida, incluindo pessoas intersexo, assexuais, pansexuais e não binárias, considerando população em restrição de liberdade, situação de rua e com deficiência e integração da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNSI); revisão da cartilha de pessoas trans, caderneta de gestante, pré-natal, com o foco não binário; pesquisas, atualização dos protocolos e redução da idade de início de hormonização para 14 anos.
Como cuidar da saúde de jovens lésbicas ao mesmo tempo que se fomenta a ideia de “transição de gênero”? Como falar que está tudo bem ela não ter a aparência feminina, gostar de garotas, de esportes, de roupas largas, e ao mesmo tempo afirmar que ela deve ser um garoto por gostar de todas essas coisas?
CN-E1- 000396 Implementar ações e serviços de saúde relativos à proteção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação das pessoas com cânceres ginecológicos, de mama, próstata, pênis (mucosa da vagina da pessoa trans), visando maior agilidade e eficiência no atendimento e contemplando mulheres cisgêneras, transexuais e travestis; garantia de assistência integral à saúde das mulheres, mulheres com deficiências, mulheres travestis, transexuais, lésbicas, bissexuais e homens trans, em todos os pontos de atenção, desde o pré-natal, parto e puerpério, incluindo a atenção humanizada às mulheres no climatério, portadoras de câncer, e as vivendo com HIV/AIDS.
Alguém poderia explicar o que seria “pênis (mucosa da vagina da pessoa trans)”? Aliás, deixa pra lá... Preferimos não saber.
CN-E2- 000085 Promover a articulação entre os conselhos de saúde, conselhos de políticas setoriais e os movimentos sociais e sindicais, para o enfrentamento de iniquidades em saúde que atingem determinados grupos, tais como: mulheres privadas de liberdade e egressas; indígenas; quilombolas; em sofrimento psíquico; com deficiência; em situação de rua; mulheres LBT (lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais); negras; do campo, da floresta e das águas; ribeirinhas; imigrantes e refugiadas; ciganas; indígenas; vivendo com HIV/AIDS; profissionais do sexo; pessoas com deficiência; usuárias de álcool e outras drogas, dentre outras, em todo o seu ciclo de vida.
“Enfrentamento de iniquidades em saúde que atingem determinados grupos, tais como: mulheres privadas de liberdade e egressas;” – como fazer isso se querem colocar homens autoidentificados como mulheres na mesma prisão e cela que outras detentas?
D-CN-E3- 000550 Desenvolver ações que assegurem autonomia das mulheres negras, indígenas, quilombolas, extrativistas, pessoas com deficiência, lésbicas, transexuais, entre outras e outres sobre seu corpo, qualidade de vida e de saúde em todas as fases de sua vida, respeitando a diversidade racial e étnica das mulheres.
A autonomia de mulheres lésbicas sobre seus corpos passa por poder escolher se relacionar exclusivamente com mulheres e excluírem homens de seu campo afetivo-sexual, o que entra em conflito com a ideia transativista de que uma pessoa do sexo masculino possa ser lésbica.
D-CN-E3- 000609 Exigir o acolhimento e o tratamento qualificado nas diversas políticas de atenção à saúde para as mulheres LBTP’s ( lésbicas, Bissexual, Travesti, Transexual e Pansexuais), enfrentando o patriarcado, as práticas machistas, a misoginia, a LBTPforbia, o sexismo, a desigualdade social e a falta de inserção no mercado de trabalho que afetam a saúde mental, os corpos e a vida das mulheres LBTP’s e Negras.
Como enfrentamos o patriarcado se o conceito de mulher hoje em dia significa “qualquer um que se identifique como uma”? Não tem como enfrentar sexismo e aceitar que um homem pode ser uma mulher porque ele simplesmente quer. Pra não falar na tristeza completa que é ver a palavra lesbofobia ser substituída pela impronunciável “LBTPfobia”.
E a sexta e última proposta:
CN-E4- 000033 Implantar o cuidado interprofissional nas políticas de diversidade e inclusão, a fim de promover a equidade e qualidade nas ações de saúde, a redução das vulnerabilidades e melhor acolhimento da população LGBTQIA+, reativando a cooperação técnica que estabelece o protocolo de atendimento à saúde integral da população de lésbicas e mulheres bissexuais e garantindo a segurança a saúde para as pessoas Travestis e Transexuais quanto ao direito a engravidar, fomentando e financiando a inseminação para as mulheres lésbicas e bissexuais que possam e desejam engravidar, assegurando e respeitando os direitos sexuais e direitos reprodutivos dessas pessoas.
Enfim, a cereja do bolo: a reprodução. É para isso que nós, enquanto mulheres (incluindo lésbicas), servimos. “[...]fomentando e financiando a inseminação para mulheres lésbicas e bissexuais que possam e desejam engravidar [...]” e as que não quiserem, vão ter este direito garantido? Poderão abortar caso não queiram mais estar grávidas?
Não é novidade para ninguém a imensa dificuldade que mulheres lésbicas têm durante o atendimento em ginecologistas – e em médicos em geral. Exceto, aparentemente, para o CNS. O documento não toca em momento algum no que realmente é preciso fazer, em termos de políticas públicas e boas práticas de saúde, para se ter um atendimento verdadeiramente humanizado para lésbicas.
Seguimos à míngua, sendo tratadas como meros úteros com pernas. É desanimador, mas a gente continua na luta.
Até a próxima!